quinta-feira, 20 de abril de 2023

Tudo calculado

 

Equidistantes, vejo milhares de pontos azuis escuros sobre um fundo alaranjado, frio, opaco. Me afasto da malha serigráfica para entrar no quadro, fotográfico.  Há manchas na parede. Uma escuridão azul quase engole a única cadeira da sala. Uma cadeira, me parece, de madeira, quadrada, robusta e larga. De suas laterais saem os cinturões e suas fivelas, uns para amarrar os braços; outros, as pernas. Estão desatados, lhes falta o corpo vivo para que realizem o derradeiro abraço. Os tornozelos e os pulsos estão presos, a cabeça se escora ao encosto; a cadeira ordena a última posição viva de um corpo. No chão, serpenteia o fio por onde corre a descarga elétrica. A energia que ilumina a noite é a mesma que escurece o dia, em frio, em agonia. A linha é tênue, milimetricamente separa, toda morte nessa sala é calculada.

Fecho os olhos para sair do quadro. A cadeira clama, insiste. Mas a repetição serigráfica é chama. São outros os detalhes: entalhes, uma mesa, uma reta que separa o chão, o friso que, na horizontal, divide a parede, que de azul vira amarelo, vermelho, roxo, verde talvez. Não sei. Dois, três, quatro, cinco, seis, são vivos os cálculos. Não tinha visto essa mesa, engolida pelo azul? vibrante no amarelo? enfurecida no vermelho? O vidro que me separa do quadro é também espelho. Cores aquecem meu pensamento. Abro os olhos. Equidistantes, vejo milhares de pontos azuis escuros sobre um fundo alaranjado, tudo calculado.

 

quinta-feira, 10 de março de 2022

A torre

 Pela fresta, um vento frio

vem me cortar

na pele, um arrepio

no peito, uma dor aguda

é chuva

De repente, um raio

ilumina minha mente

volto ao presente

pela fresta, gostículas de água

vem me molhar

tenho sede

e um torre para derrubar.

Vagas

Lembrancas a revirar

o fluxo da sangue 

aquecendo a fria corrente

dos acordes do presente


estremece a carne

ao contato com a mar

ancorados os dedos à terra

a corpa a flutuar


vagas lembranças a me aguar

ressoam em minha corpa

por amar a mar

domingo, 7 de janeiro de 2018

Na pedra

Vi na pedra o rosto dela,
sorrindo vendo sol acordar,
chorando vendo sol ir se deitar.

Cajueiro

Das areias desse chão
sugas as águas do sertão
sede castanha pro amor
sede caju para o calor

Cajueiro...

Tão caldo
Tão sombreiro

Abro a janela,
a noite obscura
os zumbidos das criaturas

Gargalhada

O riso dos vizinhos
O coaxar dos sapos
O sorriso das hienas
Eu que matei uma fada
pensando que era cigarra
me encontro desprotegida.